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Especial: Tragédia no Rio Doce

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São Paulo – O dia 5 de novembro despertou ensolarado no pequeno povoado de Bento Rodrigues, em Mariana, ao sul de Minas Gerais. Naquela manhã, a produtora de geleia de pimenta Keila Vardeli cuidou da horta e da casa pela última vez.

No bar que comandava, Sandra Quintão serviu os derradeiros tragos de bebida. Joelma Aparecida pôs à mesa os últimos sanduíches da lanchonete. À tarde, se ouviu um estrondo “como se dez aviões tivessem caído”.

A apenas 10 quilômetros dali, a barragem do Fundão se rompia. Uma avalanche com 55 milhões de metros cúbicos de lama tóxica estava a caminho para eliminar o vilarejo do mapa.

A notícia correu pelos rádios e celulares dos moradores – e pelos gritos de Paula Alves, outra ex-moradora da região, que circulou de moto avisando sobre o desastre. A enxurrada soterrou pessoas, casas, animais, comércios e plantações.

O trágico anúncio ecoou até Gesteira, povoado também destruído, e chegou ao produtor de leite José Higino Gomes, conhecido como

Tio Peleco, alertando sobre a “enchente forte”. Ele passou a noite acordado com a família, à espera do desastre. Às quatro da manhã, o rio subiu. Levou embora toda a parte baixa da vila e bloqueou com lama as estradas. O capinzal desapareceu e a energia elétrica levaria dias para voltar – assim como o caminhão da cooperativa que comprava o leite das vacas de Peleco. A casa dele, que ficava num ponto mais alto, escapou da enxurrada.

A catástrofe era anunciada. Desde 2013, rondava por Bento Rodrigues um burburinho de que algo não andava certo nas barragens da Samarco, mineradora que pertence à brasileira Vale e à anglo-australiana BHP Billiton.

A empresa havia acabado de pedir a revalidação da licença para depositar os rejeitos de minério de ferro na represa do Fundão. O Ministério Público, então, encomendou ao Instituto Prístino, uma instituição privada de análises ambientais sem fins lucrativos, uma investigação completa sobre as condições do local.

O caso era grave: ficou clara a possibilidade de desestabilização e erosão dos rejeitos da barragem, que colocavam em risco a estrutura. O alerta veio com algumas condicionantes à Samarco. A empresa precisava elaborar um plano de emergência efetivo para a população de Bento Rodrigues, realizar uma análise de ruptura e fazer o monitoramento periódico dos diques e da barragem. Com tantos riscos, o Ministério Público decidiu se abster da votação e, mesmo assim, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou a licença meses depois.

A mineradora afirma ter acatado as decisões e passado a monitorar continuamente as operações, além de reiterar que todas as licenças necessárias à operação estavam válidas e que a barragem havia passado por fiscalização oficial em 2015. Mas, em Bento Rodrigues, a tensão era constante.

“A gente insistia para saber o que estava acontecendo, mas a Samarco falou que era notícia de peão, fofoca”, conta Keila. Atualmente, o Ministério Público investiga se houve negligência no monitoramento das barragens e nas operações de manutenção.

Já está claro que o plano de emergência tinha falhas: não incluía detalhes claros sobre como avisar os moradores de Bento Rodrigues caso a barragem se rompesse – algo exigido em decreto pelo Departamento Nacional de Produção Mineral. Não havia sirene ou qualquer sinal de alerta disponível. Aos moradores, restou contar com a sorte e com os gritos de Paula e outros vizinhos.

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