X
    Categories: Mundo

Neil deGrasse Tyson acredita que precisamos amadurecer como civilização

ADVERTISEMENT

São Paulo – O ano era 1972 e a tripulação da Apollo 17 estava a caminho da Lua. Um dos astronautas resolveu olhar para trás e fotografar nosso planeta, a 45 mil quilômetros de distância. O resultado foi uma das imagens mais poderosas da história: as pessoas perceberam naquele registro como somos uma bolinha de gude azul flutuando no vácuo escuro e ameaçador do espaço. Também notaram que dali não se via qualquer tipo de fronteira e que nosso planeta parecia ser uma coisa só, indivisível. Para o astrofísico e apresentador Neil deGrasse Tyson, uma nova revelação espacial como essa faria um bem enorme à humanidade. “Precisamos chegar a um entendimento mais profundo sobre o nosso lugar na Terra, e esse é o tipo de coisa que você obtém a partir de uma perspectiva cósmica”, disse por telefone à GALILEU. Na entrevista, Tyson compartilha suas expectativas para 2016 e fala sobre ciência, mudanças climáticas, terrorismo e política.

Quais são suas expectativas científicas para 2016?
No meu campo, sabemos razoavelmente bem quando as grandes descobertas vão ocorrer, pois muito do que aprendemos chega a nós por meio de telescópios e sondas espaciais. Por exemplo,vamos continuar aprendendo sobre Plutão graças a um sobrevoo feito há vários meses. Mas estou particularmente ansioso pelos planos da NASA de visitar algumas das luas congeladas de Júpiter e de Saturno: quero muito saber se há vida naqueles oceanos.

Já em Marte, chegou a hora de caçar bolsões marcianos de água líquida, checar se eles estão lá. Temos evidência de água escorrendo pela encosta de uma cratera, mas será que existem aquíferos, reservatórios subterrâneos de água? Porque se existirem, então talvez realmente haja vida prosperando ali. Acredito que, ao longo do ano, chegaremos mais perto de respostas para essas questões tão interessantes, mas não sei dizer se responderemos a todas elas em 2016.

O senhor Acredita que ainda há tempo de mudanças para evitar uma catástrofe climática?
Depende da sua definição de catástrofe. Se considerarmos Vênus, a temperatura lá atinge 500 graus Celsius. É um efeito estufa desenfreado, sinal de que algo ruim aconteceu no planeta. Marte já teve água líquida fluindo por toda a sua superfície, e hoje é seco até o osso. Algo ruim aconteceu em Marte também. Um desses planetas fica à nossa esquerda; o outro, à direita, conforme orbitamos o Sol. Então, podemos perguntar: estaríamos à beira de um desses desastres que acometeram Marte e Vênus?

A resposta é sim e não. Por um lado, mesmo que nós queimássemos todos os combustíveis fósseis que existem, não teríamos um efeito estufa desenfreado e não iríamos nos transformar em Vênus. O que teríamos seria uma Terra mais quente, onde não haveria nenhuma calota de gelo. Mas, por outro lado, todas as grandes cidades do mundo ficam às margens de rios e oceanos. Então, se os litorais mudarem, inundarão cada uma dessas cidades. E qual é o custo de evacuar essas cidades? Seria uma catástrofe? Para mim, sim, porque estaríamos transformando o clima a uma taxa que a nossa civilização nunca viu antes. Nossa civilização definitivamente não foi construída com capacidade para acomodar a taxa de mudança climática que temos hoje.

Mas o senhor acredita que poderíamos simplesmente viver em algum outro lugar do espaço?

Existem pessoas que querem colonizar outros planetas, só para o caso de bagunçarmos demais a Terra, quase como um destino de escape (risos). Realisticamente, acho que seria possível colocar módulos habitacionais nesses planetas, mas aí as pessoas estariam meio que vivendo na Terra de qualquer jeito. Talvez no futuro haja maneiras de semear os solos com certos micróbios, de mexer na atmosfera para fazer chover e até de inserir alguns animais em outros planetas para transformá-los em algo semelhante à Terra. Mas aí tem o seguinte: se nós tivermos o poder de geoengenharia necessário para transformar, digamos, Marte na Terra, então também teremos o poder de transformar a Terra de volta na Terra (Risos).

Teríamos um mundo melhor se ele fosse governado por cientistas em vez de políticos?
Não acho que se trate de um ou outro: a política em seu melhor estado é uma instituição extraordinária, que torna possível resolver as diferenças entre as pessoas. Mas a resolução bem-sucedida das diferenças supõe que todo mundo é racional (Risos) e capaz de ouvir argumentos contrários ao próprio ponto de vista. Os políticos precisam é de conselheiros científicos confiáveis, de quem possam ouvir o que a ciência tem a dizer sobre as consequências de suas ações ou inações nas políticas e legislações que criarem. O Congresso dos Estados Unidos está cheio de advogados, e eles são argumentadores treinados. Se semeássemos alguns cientistas e engenheiros no meio dos políticos que estão em debate, as coisas poderiam se tornar um pouco mais eficientes.

Como será possível resolver a questão do terrorismo?
Não sei se tenho uma bala de prata aqui. Mas o que falo para as pessoas é que elas precisam aprender a diferença entre uma verdade pessoal que você carrega consigo e uma verdade objetiva: E=mc² funciona, não importa como você se sente sobre isso. Se Jesus é seu salvador, bem, isso é sua verdade pessoal. Para algumas pessoas, Maomé é o último profeta enviado por Deus para a Terra. Essa é a verdade pessoal delas. Outros indivíduos são Wiccas e têm crenças diferentes dessas duas. Em uma sociedade livre, as pessoas devem acreditar em qualquer verdade que as faça felizes, contanto que ela não infrinja os direitos estabelecidos pelo governo. O que ocorre no mundo é que há guerras e conflitos porque as pessoas têm verdades pessoais que elas não distinguem das verdades objetivas. Portanto, elas precisam forçar essas verdades em você. Esse é o fundamento de quase todas as guerras que já foram travadas. Só fico desapontado, surpreso e consternado pelo fato de que isso esteja acontecendo no século 21. É claro que há alguma política no meio, porém, nos tempos modernos, a maior parte do que motiva o terrorismo é uma disputa de crenças. Não sei se é tão simples como “vamos ensinar às pessoas a diferença entre essas duas verdades; uma delas você guarda consigo e a outra é a que se aplica a todo mundo, e é nisso que você baseia a legislatura”. Não sei se isso resolve tudo, mas seria minha contribuição a essa discussão.

Para o senhor, quais são os maiores desafios que a humanidade enfrentará em 2016?
Acho que precisamos reconhecer algumas coisas: que os oceanos, a Terra e a atmosfera, assim como a vida que eles abrigam, não são entidades separadas neste mundo. Todos nós somos interdependentes, somos um ecossistema. Se tratarmos o mundo como se ele estivesse à nossa disposição, vamos causar uma disrupção nesse ecossistema — o que pode trazer consequências indesejadas. Penso que nós precisamos chegar a um entendimento mais profundo sobre o nosso lugar na Terra, e esse é o tipo de coisa que se obtém a partir de uma perspectiva cósmica.

Então eu reivindico que nós precisamos de mais uma dessas revelações espaciais sobre o nosso lugar em relação a outras formas de vida na Terra, no Sol e até em outros planetas. Só então poderemos amadurecer como civilização. Neste momento, não vejo isso acontecendo.

[impulsosocial] [impulsosocial_popup]

Expressoam:

This website uses cookies.