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    Categories: Economia

‘Engolido’ pela crise, arquiteto oferece seus serviços na Praia de Copacabana

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Rio – Lá no fim dos anos 90, Charlie Brown Jr. cantou: “Meu escritório é na praia, estou sempre na área”. Naquela época, o arquiteto Iran Cabral de Mello, de 75 anos, tinha uma sala comercial no Centro do Rio e outra na casa espaçosa em que vivia em Niterói. Ambas com vista para construções, nada de mar.

Recentemente, porém, ele montou seu “escritório na praia”, onde disputa espaço com artesãos, vendedores ambulantes e uma estátua de Dorival Caymmi, no calçadão de Copacabana. Um folder, com letras vermelhas, anuncia “Consulte um arquiteto” e dá seus telefones de contato. A mudança nada tem a ver com a ideia romântica da música. O que motivou a escolha — ou a falta dela — foi a crise, como mostrou Ancelmo Gois em sua coluna no jornal Globo.

A queda no padrão de vida veio com a separação da mulher — desenhista, projetista e seu braço-direito no trabalho. A situação apertou, e a firma aberta por eles, a Cascountry, faliu. Iran passou a viver de bicos: “sou biscateiro, na verdade”, define-se. Deixou Niterói, rodou o Rio, morou um tempo em Queimados, na Baixada Fluminense, mas, por lá, não encontrou serviço. Foi parar na Zona Sul, na favela do Cantagalo, em Ipanema, onde divide o aluguel de R$ 500 com um amigo, há três meses.

Faz três meses também que Iran comparece todos os dias, inclusive fins de semana, ao Posto 6. Em poucos minutos, encaixa os canos de PVC e descansa uma tábua branca de madeira em cima, formando sua “mesa”. Em seguida, estende o folder sobre o estande improvisado e aguarda. A propaganda está estampada ainda na camisa, seu uniforme de trabalho. O calçadão é movimentado, as pessoas olham, perguntam, mas até agora ninguém fechou negócio. Não recuperou sequer os R$ 100 que investiu para montar seu “escritório”. Por alguns instantes, o interesse dos pedestres pelo seu serviço parece bastar:

— Quando vêm duas ou três pessoas perguntarem algo, já considero um dia bom — diz. — Chego às 9h e vou embora às 17h, se estiver muito frio. Mas, se o tempo está bom, fico até mais tarde.

Qualificação, ele diz, não lhe falta. Iran conta que se formou em Arquitetura, em 1971, na UFRJ. Fez pós-graduação em sistemas especiais de engenharia urbana e professorado de desenho. Ainda assim, a crise assola sua carreira. Lá se vão cinco anos sem conseguir sequer um emprego. O arquiteto recebe um salário mínimo de aposentadoria, mas todo dinheiro, ele afirma, vai para uma dívida que adquiriu após ser vítima de um golpe. Quando questionado sobre como sobrevive, ele aponta para a boca e diz:

— Sorrindo.

Enquanto conta sua história, relaxado na cadeira de madeira onde passa parte do dia, um homem se aproxima, pede desculpas por interromper a conversa, e começa a relatar o que quer. Iran passa o número do seu celular, adianta algumas questões e se despede do possível cliente. Desta vez, os olhos verdes sorriem junto. E ele comemora:

— Esse parece animado. Mais um bom dia de trabalho.

 

Expressoam:

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